O furacão Isa Genzken

Isa Genzken nasceu em 27 de novembro de 1948 na pequena cidade de Bad Oldesloe, perto de Hamburgo, na Alemanha. Em 2023, a artista completa 75 anos e, para celebrar a ocasião, a Neue Nationalegalerie, em Berlim, apresenta a exposição Isa Genzken 75/75 – 75 trabalhos para 75 anos. Tive a oportunidade de visitar a exposição e compartilho minhas impressões.

Genzken é uma das poucas mulheres vivas que tiveram uma retrospectiva no MoMA (em 2013) e hoje em dia é considerada uma das maiores artistas contemporâneas vivas, mas nem sempre foi assim. Durante anos Genzken foi vista à sombra de seus parceiros de longa data, como Benjamin Buchloh, historiador da arte e grande especialista em Gerhard Richter, e o próprio Gerhard Richter.

Isa Genzken é uma artista audaciosa e imprevisível, e essa característica reflete-se em suas primeiras obras em escultura, como as Elipsoides e Hiperbolóides. Esses objetos rígidos são extremamente difíceis de produzir: os elipsóides são estruturas de madeira com aproximadamente doze metros cada, que tocam o chão apenas nas extremidades, enquanto os hiperbolóides são côncavos e tocam o chão somente no centro, em dois pontos. Na época, ela mesma produziu as peças, com assistência de um físico que utilizava um computador para calcular as medidas exatas. Isso foi no ano de 1974.

À primeira vista, poderia-se pensar que esse corpo de obra se encaixaria na vertente do minimalismo, típico de artistas como Carl Andre ou Donald Judd, mas com Isa, nada é o que parece. É justamente na farsa e no jogo que encontramos o caminho para compreender sua obra.

Vista da exposição Isa Genzken. 75/75 Neue Nationalgalerie, 2023; ROTES ELLIPSOID, 1977, ROT-GRAUES OFFENES ELLIPSOID, 1978, GRAU-SCHWARZES HYPERBOLO, MBB“, 1981, BLAU-GRAU-GELBES HYPERBOLO, LBE“, 1981 © Nationalgalerie – Staatliche Museen zu Berlin / Jens Ziehe / Courtesy Galerie Buchholz / © VG Bild-Kunst, Bonn 2023.

Meu primeiro encontro com o trabalho de Isa aconteceu em 2013, em Nova Iorque, quando me deparei com a escultura Rose II em frente ao New Museum. A rosa de alumínio de oito metros e meio de altura me levou a reflexões intensas sobre a representatividade de um objeto de arte. Na época, com vinte e um anos, ainda estudante de comunicação e criada no mundo da Disneylândia da Flórida, percebi uma estranha similaridade entre a escultura e os cenários das atrações infantis dos parques: proporções estranhas, uma onda meio kitsch, materiais industriais. Questionava-me sobre o significado que aquele objeto passaria a ter pelo fato de estar em um museu; sobre a dicotomia que era criada entre o que estava dentro e fora dali, e o mais importante: cabia a quem decidir? Eu não conhecia Duchamp naquela época.

Isa Genzken, Rose II (2007) na fachada do New Museum, em Nova York. Essa foi a primeira obra pública realizada por Genzken e esteve em exibição de 2010 a 2013. Photo: Naho Kubota, cortesia New Museum, via Artnet.

A mesma rosa encontra-se agora na entrada da Neue Nationalgalerie por ocasião de sua retrospectiva. Esse segundo encontro com a escultura, dez anos depois, e ousando dizer que sei uma coisa ou outra sobre Duchamp, proporcionou-me uma reflexão mais expandida sobre o que Genzken expressa através de suas construções. Parece-me que existe a exploração da escala, de brincar com o tamanho do observador: hora nos sentimos gigantes observando pequenos bibelôs, hora sentimos-nos formigas insignificantes, como olhando para a rosa. Mas existe também um grande sentimentalismo, como se a flor fosse um presente para todos que entram no museu. Um humor bem sutil e um tanto ácido permeia tudo o que ela faz.

Vista da exposição Isa Genzken. 75/75, Neue Nationalgalerie, 2023. PINK ROSE, 2016/2023. © Foto: Nationalgalerie – Staatliche Museen zu Berlin / Jens Ziehe / Cortesia Galerie Buchholz / © VG Bild-Kunst, Bonn 2023.

Uma das séries mais icônicas da artista é a reprodução do busto de Nefertiti, uma das esculturas antigas mais famosas do mundo, combinada com acessórios contemporâneos, como óculos escuros de diferentes modelos. Nessa obra, ela revela sua predileção pela ideia duchampiana de "ready-mades" e expande a questão da farsa através do mecanismo da repetição. Assim como Duchamp, Genzken redesenha os limites entre a alta cultura e o profano, e essa sua série é uma clara homenagem a Marcel. "Eu sempre disse que, em qualquer escultura, você precisa ser capaz de dizer que, embora não seja um ready-made, ela poderia ser uma", ela já afirmou.

Isa Genzken, Nofretete, 2014. Cortesia Galerie Buchholz, Cologne/Berlin/New York, David Zwirner, New York/London e Hauser & Wirth. Via e-flux.

A apropriação é um recurso muito presente na pesquisa de Isa, seja na utilização de imagens da mídia em suas colagens, com fotos de Michael Jackson, Leo Dicaprio, entre outros, ou na criação de manequins vestidos de diferentes formas, tornando-os personagens prontos para o teatro da vida real, como na série Schauspielers, de 2013.

Nationalgalerie – Staatliche Museen zu Berlin, Jens Ziehe, Cortesia Galerie Buchholz, VG Bild-Kunst, Bonn 2023. via monopol magazine.

O fato de Isa ter sido modelo fotográfica quando jovem e,portanto ela mesma um objeto da mídia, traz mais ironia e força para sua narrativa: antes, objeto, depois, vira sujeito, reiterando sua individualidade através da inserção de seu próprio nome nas colagens que utiliza com imagens de revistas.

Para Boris Groys, a ideia de infinito é representada na cultura ocidental não pelo museu, mas pela mídia. O “novo” é banal e trivial quando colocado no contexto da arte. E é nesse contexto que Genzken consegue confrontar seu público com o novo – utilizando-se do banal. Sua pesquisa é uma reafirmação constante de que existem sempre infinitas possibilidades de perspectiva dentro da realidade que se apresenta para nós, a cada instante.

A série Empire/Vampire, Who kills death, que iniciou em 2003, marca uma mudança de paradigma no trabalho da artista, onde pedestais servem de palco para cenas épicas travadas por brinquedos. Nada é estático, tudo é movimento. Aqui, mais uma vez, vemos a subversão duchampiana entre objetos de alto e baixo valor. "Combinei coisas baratas com coisas caras - por exemplo, óculos muito caros, figuras de oficinas de modelagem de filmes ou a cara película reflexiva usada na arquitetura. Todos esses materiais são produzidos em massa, em linha de montagem, e eu alterava-os com cores ou por meio de sua colocação em combinações incomuns." É impressionante sua capacidade cinemática, de conceber universos, e de comunicar tais universos com tanta destreza.

Isa Genzken, Empire/Vampire, Who Kills Death (detalhe), 2002/2003. Via Hart Magazine.

Visitar uma retrospectiva de um artista é sempre enriquecedor, pois podemos ver toda uma vida de pesquisa e trabalhos de maneira condensada, percebendo o fio condutor fundamental que permeia aquela subjetividade. Observar a obra de Genzken em conjunto proporcionou-me uma sensação de alívio reconfortante – pude perceber que ali existe uma capacidade brutal de sempre seguir em frente, abrir mão de caminhos que se tornam obsoletos, e abraçar o novo e o desconhecido, das formas menos convencionais possíveis.

A maneira como Isa, ao longo de setenta e cinco anos, se manteve fiel à sua radicalidade, ensina-nos uma bela lição de vida: é mais honesto comprometer-se consigo mesmo do que se deixar levar pelo que esperam de nós. Seu trabalho é um testemunho de alguém que ousou ser quem se é, e isso é lindo demais de ver. Um verdadeiro fenômeno da natureza.