Dayanita Singh – Dancing with my Camera na Gropius Bau

Dayanita Singh, Museum of Chance, 2013 © Dayanita Singh

Dayanita Singh (New Delhi, Março de 1961) é uma fotógrafa que desde os anos 80 revoluciona a apresentação formal de seu trabalho.  Com uma individual atualmente em exibição na instituição cultural Gropius Bau, em Berlim – que, por sua vez, merece elogios pela programação impecável capitaneada por Stephanie Rosenthal, curadora desta exposição – a retrospectiva tange as séries mais icônicas da artista, desde o início de sua carreira, quando acompanhava turnês do músico de tabla Zakir Hussain, até a série mais recente, editada durante a pandemia e apresentada pela primeira vez na mostra Dancing with my Camera, que segue em exibição até agosto de 2022. 

Dayanita Singh: Dancing with my Camera, 2022, vista da exposição, Museum of Chance (2013) © Gropius Bau, Foto: Luca Girardini.

Logo de cara, é importante reiterar o que significa uma instituição de uma grande capital europeia dedicar-se a se debruçar sobre a obra de uma artista indiana. A imersão total no Oriente, a partir dos olhos de alguém que faz parte daquele contexto, expande os horizontes de quem vê. As infinitas potencialidades de outros modos de viver, que não o materialismo ocidental, sutilmente insuflam os espectadores de esperança e entusiasmo. 

Para entender a trajetória de Singh, é preciso compreender a relação com seu mentor, Zakir Hussain: um virtuoso e prestigiado maestro de tabla, cuja obra consta em produções como Apocalipse now e parcerias com George Harrison e Earth, Wind and Fire. 

Zakir Hussain, livro de 1986 publicado por Dayanita Singh que reúne fotografias tiradas por ela durante os anos que acompanhou as turnês de Hussain. Saiba mais aqui.

Acompanhando turnês de Hussain durante seis invernos, Dayanita afirma que, com ele, aprendeu a ser artista, observando atentamente a riyaaz (prática rígida) e dhyaan (foco) dos músicos durante os meses de turnê. O foco das fotografias das turnês é a “captura da energia da performance, e as viagens”. Desde o início de sua carreira, portanto, são perceptíveis os interesses pela transitoriedade e o movimento (seja ele físico, mental, ou presente nos corpos nopalco ou no deslocamento terrestre). 

Como uma boa fotógrafa que é, Singh captura naturalmente momentos de afeto e intimidade, fotografando reiteradamente amigos e parentes durante anos a fio, levando-nos consigo na jornada que foi e é sua vida. 

Porém, é empurrando os limites da fotografia e apropriando-se dela como meio, e não finalidade, onde reside a genialidade de seu trabalho. Dayanita cria museus móveis, módulos portáteis e editáveis: são ao mesmo tempo display e arquivo. A formalização final, que pode ou não ser deslocada da parede, é sempre adaptável ao local de apresentação, trazendo fluidez e um eterno retorno ao processo, sempre que um novo museu passa a ser lar temporário dos “museus” criados pela artista. 

Por sua vez, as fotos são chamadas de “foto-arquiteturas”, que podem ser retiradas e levadas embora. Portanto, apesar de formarem um conjunto, cada uma das fotos é imbuída de individualidade, dando riqueza no macro e no micro. 

Na mostra são apresentados quatro museus: Museum of Chance, Museum of Tanpura, Museum of Shedding e File Museum.  Complementar aos Museus, a artista detém em seu corpo de obra os “livro-objetos” Estes são, de fato, “mini exposições que qualquer um pode ter, exibir e arquivar”. Ao liberar os livros da estante e as fotos da parede, Singh democratiza e expande tanto o ato de exibir, quanto o de colecionar. Singh refere-se a si mesma também como “arquivista”. 

O mais impactante é ,sem dúvida, o Museum of Chance. Os módulos misturam fotos da artista com capturas de tela de filmes clássicos, como 8 ½ de Fellini, e excertos de livros icônicos, como o de entrevistas entre Francis Bacon e Michel Archimbaud. 

O cruzamento entre fotografias, textos e capturas de tela que já pertencem a um léxico imaginário da cultura pop, cria uma teia de pontes imaginativas entre o espectador e a obra. O que, à primeira vista, gera um estranhamento por se tratar do registro de uma cultura aparentemente distante, encontra um denominador comum por tratar-se, afinal, de algo demasiadamente humano: a transitoriedade do ser.

Dayanita Singh: Dancing with my Camera, 2022, vista da exposição, Time Measures (2016) and Mona and Myself (2013) © Gropius Bau, Foto: Luca Girardini

Museum of Shedding é o único que retrata espaços vazios, em que a arquitetura vira protagonista, num exercício de busca pelo contraste entre luz e sombra, sempre em locações extraordinárias. 

O que mais chama atenção é a série dedicada a Geoffrey Bawa, arquiteto do Sri Lanka, responsável pelo Kandalama Hotel, que incorpora a natureza em seu projeto, circunscrito entre montanhas a rochas – similar ao ideal de Niemeyer. 

No Guia do Museu Bhavan, (que é o conjunto de museus instalados no museu Vasant Vhar,  em Nova Delhi, Índia), encontramos o conjunto de instruções e notas sobre a contínua relação estabelecida entre cada um dos museus tais como: suas viagens independentes para outros museus e a forma labiríntica que podem assumir se apresentados juntos. Em Vasant Vhar, o Museu  Bhavan abre na primeira e na segunda lua cheia de cada ano.

Através do seu caos organizado, tensionando a visão e a audição – ao apresentar sua obra quase como uma dança rítmica visual – somos transportados ao Oriente profundo apenas para descobrir que somos muito mais semelhantes do que diferentes, afinal todos dançamos, cantamos, abraçamos, envelhecemos, e finalmente, morreremos.